quinta-feira, 22 de julho de 2010

O QUARTO DA SALA




Na Bahia dos anos trinta e quarenta do século vinte, a maioria dos casarões do Centro Histórico de Salvador tinha um quarto reservado para conversas íntimas, segredos e troca de carícias entre os visitantes mais afoitos. O QUARTO DA SALA, como era chamado, tinha uma decoração simples, geralmente com tecidos claros, mesinhas de jacarandá e janelas quase sempre serradas, cobertas com cortinas de veludo vinho, o que tornava o lugar mais quente e acolhedor. Numa manhã de domingo, enquanto dona Letícia preparava uns bolinhos para servir aos convidados que chegariam por volta do meio dia, Francisca e Verinha entraram no quarto com suas bonecas vestidas de seda, trancaram a porta e brincaram em silêncio por alguns minutos. As duas meninas nunca mais foram encontradas. Dona Letícia convive com a dor diária da ausência e falta de respostas.O quarto permanece trancado. A mobília foi coberta com lençóis brancos e lágrimas. Seu Leôncio, esposo de dona Letícia e pai das crianças sumidas, vaga pelos corredores com olhos de angústia e espera. As bonecas, antes vestidas de seda e bem cuidadas, observam todo o movimento como se guardassem a verdade no vidro brilhante dos olhos.
Gurgel de Oliveira