sexta-feira, 31 de maio de 2013

NAVALHA

Desprovida de qualquer sentimento de afeto  e sempre atenta aos sinais, Brigitte observa os companheiros da loja onde vive e  se encanta com  a luz que entra pelos vidros,   com  a elegância de quem quer ser comprada e vestida com roupas de marca e adornada com  adereços assinados por estilistas que cultuam  moda e aparência. Os carros fazem barulho e os ambulantes gritam nas calçadas. É começo de tarde e respira-se com muito esforço. Os parques estão cheios e os grandes magazines  exibem  nas vitrines mulheres e homens de fibra. Olhos de vidro que refletem o olhar do outro, ávido pela composição estética do aquário de sonhos. Crianças correm com balões e doces.  Cavalos alados ensaiam voos nunca antes pensados,  pelas nuvens que encobrem  circos e  picadeiros. Brigitte planeja mais uma ação para mexer com o cotidiano que não se renova e aborrece os humanos. A lua acena de longe, gorda e cheia de luz. A escuridão invade prateleiras   e depósitos. Quatro mulheres são encontradas mortas e dão sentido  à  madrugada. O começo da manhã constrange. Tem fios de sangue nas mãos de Brigitte. A caixa registradora computa mais uma venda. Brigitte troca de endereço e agora é atração na Avenida Quinze.

Gurgel de Oliveira


quinta-feira, 23 de maio de 2013

BOATE BARROCO

Cores e sabores sobre os tapetes da sala. Bonecas e vestidos de papel embaixo das camas. O teatro de sombras não funciona mais. Atrizes e atores representam fases da vida e as cortinas se calam. Vozes passeiam pelas varandas e se escondem em garrafas de bebidas do Oriente. A escuridão veste roupas com estampas e corre pelas ruas do centro. Já é noite na Boate Barroco e os carros começam a chegar. Ternos e bengalas habitam os cabides e a música acompanha o movimento das luzes. Olhos pintados com jade sobrevoam o balcão e a cantora adorna o piano com espartilhos e ossos de búfalos.  É madrugada e os embriagados correm em busca de prazer e seios de alabastro. Copos borbulhantes congelam o inverno   e rabiscam espumantes no Sol. A voz da cantora embala marinheiros e os  desconfortos do dia. O grito do vassoureiro incomoda os que descansam. O Jazz adormece e espera o próximo ato.
Gurgel de Oliveira