quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A ANTENA

As casas ficam no meio do nada. A presença das algas é o único perfume possível e os cabelos de Clotilde medem trinta e seis metros. Ocupam todo o espaço da sala. Os quartos não possuem  penteadeiras e as  angústias de cada morador estão presas às paredes, para serem apreciadas e nunca esquecidas. A antena brilha e corta o azul do céu e dos olhos de seu Antônio , relojoeiro e marido de Clotilde. Somente os moradores do lugar podem ver a estrutura de aço que insiste em brilhar no espaço. Bocas e estômagos adormecem e dentes são encontrados mortos, num clima de extremo desconforto. Uma criança chora! É o filho de Clotilde que nunca nasceu e mora no seu ventre já faz muito tempo. Segundo relatos de seu Antônio,   Quando Clotilde parir, os seus cabelos vão estar do tamanho da antena, que continua brilhando na cegueira sagrada do tempo.
GURGEL DE OLIVEIRA

domingo, 10 de fevereiro de 2013

AS MÁSCARAS DE TEODORA

No Vale do Rio Omo, ao sul da Etiópia, um dos maiores sitios arqueológicos do mundo chama a atenção de paleontólogos, historiadores e, principalmente, artístas plásticos interessados na estética das máscaras usadas pelas tribos que viveram durante muitos anos ao pé do vulcão, desafiando o fogo, o frio e os temporais que vinham do fundo da TERRA. A pintura facial ocupava lugar de destaque nos rituais de vida e de morte e as pedras semipreciosas cravejavam rostos imortais e corpos tomados pelos espíritos, poeira e misticismo. Hoje os povos remanescentes tentam preservar os costumes dos seus antepassados colorindo a pele das mãos com pigmentos naturais e muita criatividade; uma homenagem ao lugar para onde vão os desencarnados e outras entidades desconhecidas que cultivam árvores e frutas nos mundos invisíveis. A artista plástica Teodora Ramirez Franco transforma metal em máscaras inspiradas nas tribos etíopes, um trabalho que sugere perfeição e mistério aos apreciadores do artesanato daquele povo. Como forma de atenuar o olhar rústico das peças, a escultora nos presenteia com a leveza do ônix e o brilho translúcido da turmalina. Perceber o mundo por janelas distintas alimenta o desejo e acaricia a nossa intuição.
GURGEL DE OLIVEIRA

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

RETALHOS DE INSÔNIAS E AGULHAS

Casas de portas fechadas escondem estórias, livros e brinquedos tocados por maõs desconhecidas, ao longo dos anos. Crianças presas ao cimento que reveste o muro do jardim escrevem poemas e plantam palavras,  nos vasos espalhados pelos quartos e quintal. Tudo parece não ter sentido e a calçada está cheia de nomes de pessoas que desapareceram no último Natal. A rua chora os seus mortos e manda rosas vermelhas que pulsam diante da repulsa e dos líquidos que escorrem dos estômagos. Os ventos não sopram mais! Nuvens de saudade são desenhadas em folhas de papel e colocadas nos pés da santa que dizem sangrar aos domingos. Pássaros e javalis engolem florestas, rios e cavalos brancos. Atrizes são atiradas aos porcos, a bordo de figurinos e ribaltas sem maçãs e maquiagens. Comeremos os lençóis, antes do amanhecer? Remédios controlados estão colados nas paredes e as casas fecham os olhos. A hora é de dormir e abraçar os caminhões que se recusam a despertar.


Gurgel de Oliveira