segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O PÁSSARO

Recebemos notícias de pessoas que pertencem a um passado próximo. Algumas estão em busca da felicidade,  outras continuam na estrada carregando o destino nas costas. Não deixemos que abram feridas nas nossas almas. As cicatrizes demoram e as dores nos impedem de voar, de dormir,  e de  enfeitar o quarto com sorrisos. As marcas na alma são para sempre. Carregamos por toda a vida e, as vezes  que lembramos, um traço de melancolia percorre o nosso corpo e retira as cores que pintam o tempo e nos trazem um pouco de alegria. Já é hora dos pássaros. Os cantos se misturam e vão costurando o amanhecer. Hoje é dia de reverenciar  as ruas. Esquinas são palácios e avenidas atalhos para os jardins. Aos que moram no passado, presos  à estórias contadas nas rodas de violão, que venham dedilhar novas canções e bordar as nossas noites com acordes nunca ouvidos antes. E aos amigos que vivem com os anjos, numa esfera que ainda não podemos alcançar, que voem sobre as nossas cabeças e nos tragam equilíbrio. Não deixemos que retalhem as nossas almas e nos atirem sal no rosto sofrido dos nossos sentimentos. Se não temos asas, o pássaro menos distante sai em quinze minutos. Vamos voar e tentar diminuir as dores da saudade. Um dia passa!
Gurgel de Oliveira

terça-feira, 24 de setembro de 2013

OS MISTÈRIOS DO CÉU


Dona Celeste tem hábitos não convencionais. O que chamamos de normalidade, para ela não passam de manias cotidianas cultivadas pelas pessoas que não tem o que fazer.Na casa não há luz nem água. Comida não entra e os vizinhos não a cumprimentam. Acham que ela não tem a cabeça no lugar e precisa de remédios e  tratamentos. Dona Celeste faz fogueiras todos os dias, no final da tarde. As crianças não se aproximam e toda a vila fecha portas e janelas. As estrelas são contadas e anotadas num caderno e desenhos são rabiscados...Como se Dona Celeste visse, além das estrelas, criaturas de outros mundos com anatomias não  habituadas aos nossos olhos. Ela passa dias e noites no matagal que fica próximo da vila e, quando retorna, diz que estava contando as árvores e algumas cerejeiras foram arrancadas. Diz, também, que passeou pelas núvens dentro de rodas de metal e que foi muito bem tratada pelos anões de prata. No último São João, após acender a fogueira como de costume, Dona Celeste entrou na mata e nunca mais foi vista. Foi embora numa bola de fogo, levando numa sacola galhos,  folhas e cerejas.
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

OS DESENHOS DO SAGRADO

Desenhar na pele e buscar caminhos pelo corpo. Evocar o sagrado com tintas azuis e plantar sentimentos menos dolorosos em torno da alma. Encarar o dia com a força e a determinação dos tigres. Um rasgo de alegria passou aqui e deixou muitas  marcas. A dançarina adormece num quarto de hotel próximo ao deserto. E a areia vai ficando mais quente quando o Sol insiste em retirar roupas e peles. Tatuagens são passagens  para sempre. O corpo é o transporte da tinta e vamos envelhecer juntos. Momentos de arrependimentos não são bem vindos. A dançarina desperta numa tarde de chuva. Ribaltas e rotundas ainda dormem. Não exite hora para acordar. Somos escravos do sono e as camas são de prego,  água e termas.  .Sombras de  guerras estão lá fora. Desenhar a  paz na pele do mundo não é possível. O encantamento tem dores e as massagens não resolvem. Não é possível ser feliz assim. Acendam fogueiras em Andorra e derretam as montanhas. A música começa e os pares se juntam.Já é madrugada e as rugas se foram.
Gurgel de Oliveira

Foto de 1900. Domínio público.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ANA PÁDUA

No ano de 1910, Ana Pádua perdeu o marido em um acidente inexplicável. Toda a família aderiu ao luto.O solar dos Pádua mergulhou num silêncio nunca presenciado antes. Os criados também cobriram seus corpos com orações e   sentimentos. Os encontros de domingo foram suspensos. Aniversários foram esquecidos e os móveis da sala cobertos com mantas e lençóis. Ana Pádua, com todos os títulos de nobreza e uma elegência ímpar, sentou numa cadeira e calou-se para sempre. Comida e água, nunca mais . As tentativas de despertá-la  não obtiveram êxito. Muitos anos se passaram e a família partiu amparada por anjos e arcanjos. Aos que rondam o solar, dizem ouvir murmúrios e gemidos vindos do salão, onde outrora reinavam bengalas, cartolas,   cristais e espumantes. Ana Pádua não partiu com os seus e circula diariamente pelos cômodos do solar, como se desse ordem aos criados sobre o tema do próximo baile.
Gurgel de Oliveira

Foto 1900. Internet.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

SOMBRAS NO PARQUE

 Sara desapareceu numa manhã de inverno. A família não esquece e procura pela garota até hoje, sempre movida pela esperança e o desejo de revê-la . A história é cercada de versões e mistérios. Pessoas dizem ter visto uma  criança  entrando no parque com um objeto nas mãos. Outras contam  o que vem na  cabeça só para sentirem que estão vivas.  O parque já está iluminado. É dezembro e as festas são inevitáveis. Luzes piscam nas   avenidas  e lojas. Dona Vera, a mãe de Sara, enfeita todos os cômodos da casa e  espera  uma surpresa.  Uma visita repentina. De preferência, antes da ceia. A foto da menina está no pé da árvore, com um presente embalado e amarrado nas fitas azuis. Todos chegam para o jantar. Dona Vera parece  ter fogueiras  na face e os pertences da filha  presos na garganta, mas o choro não vem. Quem sabe no próximo Natal.
Gurgel de Oliveira

Foto de 1900. Sem referências do autor.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O MUNDO REDESCOBERTO

Tardes de sábado na pracinha mais próxima. O vendedor de balões contrasta com o verde das árvores. Crianças correm de um lado para o outro e as horas torcem  para que as luzes brilhem. As carpas se divertem no laguinho do chafariz. Bolsas são esquecidas nos banquinhos perto da grama. E o palhaço grita do alto que hoje haverá espetáculo. É o circo de todos os dias com pipocas, trapézio e bailarinas. O mágico escondeu a moça numa caixa e mexeu com a ilusão dos lenços. Boquiabertas , as crianças procuram desvendar o mistério com o mesmo olhar que encantava as carpas. Os malabaris enfeitam  as   nuvens do picadeiro e as luas descem até o chão . É noite de circo e de algodão doce. O mágico desperta os coelhos e o mundo se redescobre na cartola.

Gurgel de Oliveira

PARA NÃO ESQUECER QUE ESTAMOS VIVOS

A orquestra passa e arrasta a multidão. Nos hospitais, crianças e adultos esperam por um gesto de solidariedade. Queremos os nossos corpos funcionando dentro da normalidade. Macas e instrumentos cirúrgicos não nos encantam mais.  É tempo de melhoras. Os pastos estão verdes e as casas das  fazendas produzem leite, queijos e felicidade. Na Colômbia, narcotraficantes e "mulas" cruzam fronteiras com as drogas do adeus. No Muro das Lamentações, judeus enfiam as suas vidas em buracos e apelam ao sagrado pelo pão de todos os dias e o tahine que engana a lingua e os   sentidos. Enquanto a oequestra passa,  atentados e condutas são questionados à sombra dos gabinetes. Chegou a hora de dançar na rua. Correr na chuva e descascar paredes em Casablanca. Correr pelo deserto em busca de nada e comer mariscos em algum lugar da Indochina. Correr os becos de Xangai e pescar gôndolas no Grande Canal Veneziano. Adotar o gótico como estilo de vida. Ouvir afrescos de Ambrogiotto di  Bondone. E acampar nas naves das igrejar que apontam para o Céu. París não é o limite e Dubai não é  forno do mundo. Queimemos os nossos medos numa grande fogueira de São João. Ao redor dos nossos olhos existem jardins e, em breve, seremos primavera. Palmas para os músicos da orquestra. Que dancem os coretos na ingenuidade das pracinhas do interior.
Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O ATAQUE DAS BORBOLETAS

É necessário que tenhamos atenção a partir de agora. Cangurus foram vistos numa avenida próxima observando borboletas. As janelas devem permanecer fechadas e a lei do silêncio bate à porta. Crianças correm pelas calçadas e os carros não respeitam os sinais. Cemitérios serão bordados nas paredes das fábricas e os operários pararam as máquinas. Escurece aos poucos e as ruas estão vazias. Brinquedos são encontrados em latas e os varais perderam roupas e lenços. Está tudo escuro. As padarias abriram  mais cedo e o café da tarde foi adiado.Velhinhos têm buracos desenhados nas rugas. Pessoas rezam nos cinemas e cartazes são pichados com saliva. Ostras são encontradas nos armários. A lua não apareceu e os vampiros dormem  nos porões das mesquitas. Tudo virou feitiço e a cidade é um fantasma. Corramos em direção à estação. Os vagões sairão no horário combinado e precisamos fugir. Um outro dia nos espera.

Gurgel de Oliveira

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SOBRE POETAS E SEREIAS

Somos rios e mares, escreve a poeta numa folha de papel em branco que está à mesa. Navios e marinheiros estão espalhados na banheira e um cheiro de sândalo acalma o ambiente. Camomila e cidreira também acompanham  o ritual que inclui banhos e mergulhos na companhia de sereias e botos. Universos não restritos fazem parte das anotações. Montanhas e cachoeiras  cantam e acalantam santos de gesso e a trilha que nos leva às grutas estão fechadas por estacas e arames. Sonhar é preciso e dormir é dispensável. Camas de hospital substituem canoas e a bordo estão príncipes e focas. O gelo resfria o poema e conserva a carne que vai ser servida no almoço. Pássaros e porcos se vestem para o baile. Os músicos chegam num ônibus sem janelas e transparências. Nada parece não fazer sentido. O canto das ondinas embala os marinheiros que beberam além da conta. Os mares engolem papéis e anotações. A poeta se despede e atira tecidos de seda nos rios. A Oxum se veste de ouro e joga no rosto o suco das pérolas.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

RESPOSTA AO TEMPO - PARA RILTON PRIMO



Quem bate nas portas e janelas da casa da ponte  é o vento. Quem desenha os momentos, nos quais vivem as nossas lembranças, é o tempo. Vento e tempo caminham juntos na saudade e nos parques que enfeitam as cidades e mermórias. Malas fechadas e avisos de partidas para breves ou longas viagens são  tarefa do tempo. As ruas do centro  ainda tem o gosto e o cheiro  da revolução. Dentro dos carros roupas de cores fortes, merengue e mojito.  Poemas de Arthur Ribaude estão presos nas paredes das casas como um culto à rebeldia. Festas e rumbeiras iluminam os cabarés e fazem da noite o paraíso das estrelas. O brilho no céu é uma resposta ao tempo...que nos envelhece e nos torna menos fortes. É hora de festejar os ventos e vestir os nossos corpos com as  fantasias de verão. A primavera já vai chegar e trazer perfumes e néctar. As abelhas também vão fazer a festa .Os pássaros desvendam as matas e o céu é azul. Vamos responder ao tempo com sorrisos e muita água. A transparência nos faz mais belos. Viva o azul! Satélites e cometas podem nos acolher para que bebamos juntos e brindemos à vida.
Gurgel de Oliveira

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A FESTA

Não tenhamos medo do escuro. As velas que estão acesas não traduzem a realidade da sala. A mesinha é de jacarandá e o tapete foi presente de família. O barulho das crianças não incomoda. Elas estão brincando no andar de cima com bolas e cartas de baralho. Alguém vai chegar trazendo frutas e pães. A noite é de festa e máscaras foram confeccionadas para a ocasião. Vovó está no quarto ao lado. Não levanta da cama já faz muitos anos. Vovô está na parede do corredor. Preso numa moldura oval e protegido por um vidro  que não brilha. As velas estão quase acabando. A escuridão vai chegar junto com os convidados. Ruídos brotam  do porão. A casa ficou só por muito tempo. São ratos e baratas em desconforto. Agora já não tem mais luz. As crianças estão quietas e esperam o começo da festa. Um cheiro de comida sufoca  a cozinha. O piso da sala anuncia  a chegada de pessoas. Rostos e mãos serão cremados no altar . O vento sacode as cortinas. As bocas mastigam e nem um olhar é percebido. Está muito úmido aqui. A lua é observada  com suavidade e ânsia. Um violino toca muito próximo. Já é hora de dormir.
Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

SORRISOS


Correr para os braços da alegria. Soltar balões de cores fortes e alcançar as nuvens. Comer algodão doce e olhar os movimentos da roda gigante em algum parque de diversão desenhado no tempo. Nem tudo tem o perfume das rosas. Cavalos e bailarinas se apresentam em perfeiro equilíbrio. O circo chegou e com ele a sensação de que a vida é breve e que devemos ser breves quando buscamos o sorriso. É muito  tarde para intolerâncias. Raiva e ódio não fazem parte das nossas pautas. Força e alegria, dizem os cartazes. O povo ocupa as ruas e a cara da cidade se desfaz em cores. É hora de comemorar! Estamos vivos e atentos aos lobos. As noites estão mais frescas. Tem magia nas nossas mãos. Viva o perfume de aromas asiáticos. O espetáculo vai começas. Luzes e lonas dão sinais de movimento. Alegria! Alegria!
Gurgel de Oliveira

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

ESTRANHO

Creia na lenda. Redescobrir o mundo é um desejo que pertence a todos. As frutas estão na janela como um quadro pintado a óleo. O mundo do artista é repleto de cortinas esvoaçantes. Pássaros são recriados e presos aos vestidos de renda. As igrejas não estão mais no mesmo lugar. A pracinha do coreto sumiu com todos os membros da orquestra. Não haverá festa na noite de hoje. O salão está em silêncio e as mesas e cadeiras estão vazias. É preciso escrever. Os deuses precisam saber que o mundo não é mais o mesmo e os artistas estão soltos no tempo. A angústia das prisões agora é capa de livro. Cidades e pessoas se confundem. Gentileza esconder rostos, mãos e bocas em caixas de pele. O futuro é incerto e as bailarinas não dançam mais. Palmas para o anoitecer. A escuridão esconde caminhos e liberta os sentimentos. Aos que gostam de rotina, cubram os espelhos e se vejam com os olhos do outro.
Gurgel de Oliveira

A VIAGEM

E necessário esperar! A cama é confortável e os ursos estão soltos. O quarto não é grande e as janelas se foram com o tempo. Exercitar a paciência causa dores nas juntas e os ratos  não perdoam. As hienas estão à espreita, famintas. Não é possível sentir o cheiro da comida. Tem alguém ai? Rajadas de vento respondem e forram o quarto com folhas de papel em branco. Poemas vão ser escritos para que as horas passem. Agora é a chuva que não para de cair. O quarto vai ser inundado e a cama é um navio. A espera é fundamental. A viagem está próxima e o destino é desconhecido. Dormir também é importante. Alimenta o espírito e mata a fome dos olhos. Alguém bate na porta. São os marinheiros e as mulheres do porto. Onde está a lógica dos acontecimentos? Os ursos não podem mais esperar. A cama navega pela casa e cada cômodo abraça um país. É hora de atracar. Chamem os estivadores e peguem as bagagens. Novos portos nos esperam em algum ponto distante da memória.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A CASA DOS BATS

Já é noite na casa da família Bats. A mesa está posta para o jantar e as camas prontas para uma noite de sono tranquila. A casa fica próxima do lago e é cercada por uma floresta com muitas árvores, caminhos e pedras de todos os formatos. O lugar tem muitas lendas e algumas provocam medo nas crianças. Ninguém sai após o recolhimento do Sol. O barulho dos animais é ouvido todos os dias. Tem sopa na mesa e todos se olham com cuidado e um certo mistério. A menina encantada está lá fora, não tenham dúvidas. Agarrada aos bichinhos e desenhando medo no tronco das árvores. Muita gente já viu. O povo da floresta não fala sobre o assunto. Pássaros foram encontrados mortos na beira do lago. Pegadas também  foram vistas ao redor  da gruta.  Fala-se de uma criança desaparecida, nos anos cinquenta do século vinte e que, à noite, visita os moradores  do lugar . A família Bats já se recolheu. A floresta ganha vida e os pássaros noturnos saem à caça de alimentos. As crianças estão na cama a espera de sonhos. Alguém passeia lá fora e pisa nas folhas secas. A família adormece. O mensageiro dos ventos acalanta as varandas. Tem alguém rondando a casa. Lá fora está muito frio. Rostos e bichos observam a casa dos Bats.
Gurgel de Oliveira

PAREDES E PORCELANAS

Diferentes realidades escorrem pelos muros. A escuridão da cidade não permite coragem e movimentos mais bruscos. É muito tarde para voltar a ser criança. A casa é de faiança e a comida posta à mesa não desperta a fome que ronda o mundo. Universos distantes não são mais observados. As bonecas vivem e guardam inverdades por baixo das roupas.O medo dá o tiro certeiro e vozes são ouvidas além das muralhas. Aviões de papel sobrevoam os espaços disponíveis e carregam bombas nas asas. Os pássaros não voam e as criaturas quadrúpedes se aproximam. As bonecas ficam atentas. É tempo de guerra e não tem carne no cardápio. A solução é comer enlatados. Já faz três meses que não amanhece. Noites eternas e estrelas cansadas. Não brilham mais. A menina está presa ao muro, Mais vozes são ouvidas. O bosque é um circo de surpresas. É proibido caminhar na mata. As bonecas serão enterradas muito em  breve. A menina cava buracos e redescobre a vida. O Sol manda cartas aos rios e igrejas de vidro dançam diante do caos.

Gurgel de Oliveira

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O IMPOSSÍVEL BATE À PORTA...NÃO ABRA!

Nada é impossível. Caminhemos pela vida e pelo mundo como um passeio de domingo. Cultivemos parques com muitas árvores e amor no coração. A boca da tristeza saboreia doenças da mente e suicídios ausentes. Corramos por caminhos antes  nunca explorados. Fadas e duendes nos acompanham e atiram doces nos contos infantis. É muito tarde e não esqueçamos lembranças e cartas  escritas com a tinta das frutas. Tudo é possível quando corpos e músculos insistem em passear juntos. Não separemos florestas de pedras e montanhas. O luar é o que faltava para que enxerguemos os rios que molham os nossos olhos. Arrumemos as malas para uma partida rápida. O túnel é comprido, mas tem luzes do começo ao fim. A impossibilidade não nos merece. Corramos ao nosso encontro e abracemos o amanhã. As savanas escondem felinos e búfalos com ódio entre os chifres. Os elefantes não serão esquecidos. Ruas e carros passam rápido e deixam marcas nas avenidas. O mais importante de tudo é viver. Atiremos pedras no  mais profundo dos mares. Peixes e escamas agradecerão
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A FOTO DA IMOBILIDADE

Final do século dezenove. Faz muito frio lá fora e as folhas das árvores não balançam. A família se prepara para o registro final. Crianças são vestidas com linho e maquiadas para esconder o constrangimento. Mais pessoas chegam e quitutes são servidos na mesa da sala.Começa a sessão de fotos e sorrisos não são necessários. Os brinquedos estão distantes. Não é hora para fantasias. Tias, pais e avòs são apenas enfeites cobertos com bordados tingidos com raízes.  A tarde tem pressa. A estrada do bosque é  extensa e resgata lembranças. Todos ficam de pé para o último adeus. Pedaços de pão são dados aos gatos. Os galhos da cerejeira se pronunciam. O Sol fecha os olhos para o cortejo. O clima é de oração e saudade. É hora de atirar os lenços e barquinhos de papel na corrente do rio. A terra se abre com fome. Descanso e paz.
Gurgel de Oliveira