sexta-feira, 22 de março de 2013

O MUNDO DE VIDRO - SOBRE IMPERFEIÇÕES E SERES HUMANOS

Igrejas transparentes flutuam no universo criado pelo artista. Sombras e cristais dão o equilíbrio necessário à linha do horizonte. Tudo é aparência no espetáculo embalado em lágrimas e soluços,  rabiscados nos acrílicos das janelas. Canções e brinquedos de madeira resgatam quintais e varandas de fazendas. E  as igrejas perfuram os rios e cachoeiras com os seus pináculos e arcobotantes bem esculpidos.  É o gótico em forma de seringa. São seringais e madrigais em noites de festas. Os balões colorem o espaço e pessoas vão à missa. Bandidos confessam crimes e jovens bêbados estouram garrafas de espumantes. Tudo é translúcido e calmo. Vestidos e mantos de conchas vestem os segredos das dunas. O mar exibe corais e plumas e molha o rosto não decifrado do figurante em êxtase. Não percamos o equilíbrio. Turmalinas viram máscaras e cobrem as nossas mãos com ametistas e safiras. Tudo vai perder a forma  um dia. Os corpos são moléculas e não desistem da água, que cura e mata a sede. Está muito quente aqui. Entremos nas igrejas que agora estão amordaçadas aos pés  dos confessionários. Padres e freiras se perdem na linha do tempo. A cegueira é parte dos nossos sonhos. O vidro corta e deforma os olhos do vento. É necessário que  Fiquemos atentos.
Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 15 de março de 2013

JOGOS PERIGOSOS

Rostos estão presos à escuridão do quarto, dependurados em correntes. Jornais e folhas de revistas cobrem o chão e tapam os buracos da porta. Restos de tinta e  de comida são jogados pelos cantos. Tem alguém nos olhando, com rancor e febre entre os dentes. Estórias de canibais passeiam por entre bocas e orelhas  e mordem a carne das crianças  que nasceram sem ver o sol.  Vestidos e meias estão sobre a cama prontos para cobrirem membros e  ausências. A presença das fotos que envelheceram ajudam na identificação das cores. Não existe luz nesta narrativa. Não procurem lógica nem interpretações que nos atirem em penhascos e vales. Também não vale adivinhar. Os jogos oferecem perigo e nos enganam com geometrias e companhias sem identificação . Podemos sonhar com o amanhecer? O frio que congela o desejo é o mesmo que esquenta a carne humana. As mãos são rasgadas pelo arame farpado que serve de manta. Tem alguém nos olhando com fome. É necessário que fiquemos quietos. Já é quase final de noite. Silêncio!
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 4 de março de 2013

A ANTENA - O DESFECHO

Seu Antônio não vive mais. Igeriu relógios que não funcionavam, ficou preso à hora marcada de um deles, e parou de respirar. O que sobrou  do velhinho  foi misturado às algas, que agora se espalham pelos  quartos, paredes, corredores e telhados. Os cabelos de Clotilde já medem cento e trinta metros. O feto que está dentro dela já ocupa todo o seu corpo. Os outros moradores sumiram. A antena agora apita e tem uma luz que circula. Pontas metálicas rasgam o corpo de Clotilde, de dentro para fora. A antena apita e a sua luz circula com mais cores e raios. Clotilde sangra e mais pontas de metal saem , agora pelo rosto. Parecem peças que se juntam com as outras e se encaixam, perfeitamente. Anjos sobrevoam a sala e fecham os olhos da mulher que não pertence mais a esta estória. Seus cabelos são levados como cortinas que guardam os segredos da noite. A antena observa tudo do alto...com  imponência e crueldade.
Gurgel de Oliveira