quinta-feira, 28 de novembro de 2013

SONHO DESFEITO

Alguém esteve aqui. Tem  marcas de sapatos impressas na lama. Pedaços de tecidos dão cores ao caminho. As páginas do livro foram rasgadas e jogadas ao fogo. A clareira ainda dorme. O mato demora para despertar. É uma outra forma de tempo .Cantar não é a melhor maneira  de entender o que aconteceu. Chorar também não. Fiquemos fortes e observemos. A neblina fura as folhas das árvores. O rio pode ser ouvido se ficarmos quietos. A umidade amolece as unhas. Não temos mais os nossos dentes. Se perderam no encanto e na fumaça do frio. Esquecemos os nossos nomes e quem somos não importa mais. A gosma das árvores vai cobrir os nossos corpos. O perdão virá com o tempo. Não há espaço para festas e sorrisos.
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ENCANTAMENTO

O cozinheiro preparou o jantar. Tem aves, porco e sobremesas.  Taças e bandejas são de cristais, das proximidades de Veneza. Um cão late próximo ao portão. Figurinos,flores e cortinas  fazem as cores da sala. Um clima medieval reveste as paredes. Crianças batem na porta,  querem doces e travessuras. A perfeição da arte impressiona o espectador. As lentes aumentam o ambiente e a luz cria mistérios que incomodam os olhares. É a magia  do cinema. Mundos esculpídos com lentes e mãos. Partidas redesenhadas  para lugares escolhidos que enganam organismos e veias. Cartazes  afixados nos tapumes. A sala escurece de forma lenta e programada. Corações batem no desconforto. Cadeiras  são  engolida pelo silêncio. É o momento da ilusão.

Gurgel de Oliveira

Cena do Filme O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e O Amante, de Peter Greenaway/foto bublicidade.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

ENCONTRO

Passos na escada. Mesa composta de fruteiras e bichos do mar. Pinceladas sem controle que vão e retornam sem nada para falar.  Águas de rios molham pontes e pedras. Broches enfeitam o colo de madames empalhadas. E o Sol não dz a que veio. Um livro de Guimarães Rosa é encontrado próximo  ao riacho. Alguma estória vai ser contada para que o texto faça sentido. Esperemos o cair da tarde. Fogueiras trazem inspiração e sono. A roda se forma com a viola e o calor. As estrelas ficam mais próximas. O regionalismo da música é o que precisamos para que não esqueçamos dos nossos rostos. Os passos da escada sumiram. Os bichos do mar agora enfeitam as paredes. Já é tarde para contar verdades.
Gurgel de Oliveira

terça-feira, 12 de novembro de 2013

RECUERDO

Saiu sem arrumar a cama. Livros e jornais sobre o tapete da sala. Paredes sujas e marcas de dedos na janela. No corredor, pele, restos de unhas e um espelho quebrado. Nenhum bilhete foi deixado. Muitos dias se passaram. As mães se abraçam. Corações choram na calçada e as carruagens passam. Fotos são espalhadas pelas ruas. A casa sente calafrios e saudade. É a hora de esquecer. Portas serão lacradas. O cheiro de suor sufoca lembranças e perfumes. Arrumar os armários causa terror  e sofrimento. Todos querem fechar os corpos  e dormir. Os olhos da rua não são mais os mesmos. Lágrimas escorrem no asfalto. O altar se enche de luzes. Mãos postas recorrem ao desconhecido. Respostas são plantadas no vento.

Gurgel de Oliveira





Carlinhos. Desaparecido em 1973.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O ÚLTIMO BEIJO DA DEUSA

Vale das Rainhas, Tebas. O Egito revela ao mundo o descanso de Nefertari, a amada de  Mut. O senet já havia previsto que a vida seria uma passagem pelos portais do tempo. Descansar os olhos sobre o calcáreo, rochas sedimentares ou a travessia  para o sagrado, é como elevar o espírito e sentir a  tinta  esboçando os dedos dos escribas pelos caminhos do corpo. Rammsés II vigia o rosto  da amada e o Vale do Nilo chora. A partida vai ser breve. Escravos da Núbia preparam a liteira para a grande viagem. Joias, vasos e frutas, companheiros dos mortos, já estão próximos ao sarcófago. O ano é 1255 a. C. A arte toma novos rumos. A lei da frontalidade comanda as mudanças estéticas e a estatuária dá formas ao alabastro. É o progresso chegando ao mundo antigo. Nefertari é pele e bandagens. A mastaba se abre e engole camelos e deuses.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O INQUILINO

Norman retornou à casa. Mamãe está no quarto e tem sorrisos nos dedos. Um vulto anda pelos corredores e bate à porta. Vento e  tempo choram  mais rápido. A chuva ameaça cair. Velas e  medo rondam  os castiçais. O lustre ainda é o mesmo. Sala e  banheiro foram isolados. No hotel não há hóspedes. Lagartos cavam  o terreno. Norman lembra de tudo. Mamãe chama pela janela. Pão e  café esperam na mesa. Um ruído vem do porão. A sopa não  tem o sabor de antes. Leituras do passado causam  tumulto. Um corvo  olha de longe. Algo está prestes a acontecer. Guardar rancor afeta o estômago e resseca a saliva. A canção provoca fadiga.  Norman tenta dormir e os fantasmas acordam. Marion Crane   não mora mais aqui. O hotel se recolhe. Roupas e varais  perdem as cores e   somem no deserto.

Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

SEQUESTRO

Espelhos foram jogados  pelas ruas do bairro. A feira é refletida de diversas formas. Olhar a própria imagem causa repulsa e incômodo nos olhos. Mais espelhos são afixados nos muros. As casas ganham novos rostos. A Senhora Smith vai à igreja mais próxima pedir perdão aos santos. Copos de prata estão sobre o mármore. As velas perderam a força. Orações e  berços  não existem mais. A cidade mergulha  em reflexos. A luz incomoda os cegos. Marina passeia com vestido de festa e os meses passam como um filme. Dores no estômago provocam  vertigem. O rio se rende ao silêncio. Alguém bate na porta dos fundos. A notícia causa espanto aos  moradores e ninguém senta para comer. O perfume de Marina está sempre presente. O momento pede recato e silêncio. Apaguem as luzes.

Gurgel de Oliveira

Foto de domínio público.

sábado, 2 de novembro de 2013

O BANQUETE - PARA RILTON PRIMO E CECÍLIA

A mesa está posta. Iguarias, cristais e porcelana se misturam. Os convidados estão  a caminho. Olhares despertam estômagos urgentes. O cheiro do vinho nos leva ao Alenque. As cores sentem fome. Ente um gole e outro, o prazer do sabor. Roma está está no cardápio. A música adorna ouvidos e escadas. Tem comida no forno. Um linguado é flambado ao gosto dos paladares refinados. É o baile da gula. Uma pausa na conversa para um gole destilado. Rosas ao  Cheff que manipula ervas e pesca. A vida é uma busca ao prazer. Que venham as entradas. A fome é amante do desejo. O barulho dos talheres lembra uma sinfonia banhada com caramelo. Platão vai chegar mais tarde.
Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

POLITEÍSMO E POUCA FÉ

A floresta guarda segredos e as árvores nos olham de cima. As trilhas são muitas e o perigo é real. Galhos e folhas  escondem encantos e um mundo não visível. Cleópatra Sétima prepara unguentos e estica papiros. Um homem atravessa um rio e acaricia o sagrado. A perda da crença entristece os deuses. Ninfas rasgam montanhas e nos trazem alegrias. Sátiros desafiam a velocidade e  Centauros adormecem diante das pedras.  Górgonas se desfazem, viram pó. E o livro se fecha no fundo da terra. Não acreditar provoca a lâmina e o seu corte. O altar é adornado com frutas e flores. Velas serão despertadas numa sala escura. O cheiro da parafina não faz bem ao corpo. Cobrir as imagens com véus é vedar os lábios da existência. Não vamos rezar mais. As igrejas serão apenas depósitos de ex-votos.
Gurgel de Oliveira

AS VÀRIAS FACES DO ENCONTRO

Registro de um momento oportuno. É hora de brindar. Abraços não foram esquecidos. É rápida a passagem do tempo. O balcão navega e estórias são recontadas. Lá fora vendem de tudo. A imagem é o sumo  da alegria. Os sorrisos bailam e os pratos  se divertem. Sopros de outubro em todos os corações. Copos, garrafas e mãos em movimento. O abraço da tarde desperta as lembranças. Encontros de boteco. Cores e paixões não perdem o brilho e  aproximam  os ímpares. É muito cedo para o recolhimento. Mais sorrisos flutuam nas prateleiras. Ser feliz é uma obrigação. Que circulem os ébrios fazedores do amanhã. Navegar na maré dos bares é para poucos. A  música  pede passagem e a foto é a moldura da saudade.
Gurgel de Oliveira