Seu Antônio carrega o corpo da filha Helena numa mala de couro, pelas estradas que cruzam o sertão do Ceará. A poeira e o Sol ressecaram a pele do rosto, embaçaram os olhos e partiram os lábios do pai que chora todos os dias ao lado da mala onde mora a filha sem vida . Estórias da zona rural ou delírio? Nos finais de tarde, seu Antônio abre a mala e joga água do açude no corpo de Helena, na esperança de recriar movimentos, fazendo travesseiros e cobertores de folhas e galhos do Outono. As árvores não existem mais e a paisagem não encanta o velho pai que tem ferimentos nas palmas das mãos, dores no peito e cicatrizes na alma. Instantes que doem no corpo e dilaceram a dignidade. Aos que perguntam o que tem na mala, seu Antônio responde que é um tesouro preso ao silêncio que vive no quarto dos fundos de uma casa abandonada. À noite, quando as estrelas brilham no céu que parece próximo e os fantasmas dançam e cantam para Seu Antônio, Helena salta da mala e beija o pai com os lábios sujos de saudade, e grita ao redor da fogueira que esquenta as lembranças de algum lugar preso em memórias.
Gurgel de Oliveira
Gurgel de Oliveira