sexta-feira, 22 de maio de 2009

Serenata de Adeus para Virginia Woolf

As estranhas divindades que moram no fogo e dominam a agilidade e os segredos das salamandras são as mesmas divindades que nos acompanham quando decidimos partir para a Terra do Nunca, onde a pele e a carne se livram das dores mundanas e a nossa alma descansa. A senhora de rosto amargurado escreveu poemas tristes como as nuvens que fizeram de tudo para enfeitar o céu. Deixou para trás as doçuras da vida e caminhou, vestida de sombras, rumo ao lago de águas turvas e definitivas. Aos poucos, sem nenhuma pressa e engasgada pelas incertezas e saudades, retirou as pérolas do pescoço, cobriu os olhos com pequenas pedras frias e afogou a vida com paciência, coragem e precisão britânica. No fundo do lago, sem lápide, sem olhos e sem nome, o corpo franzino da poeta aquece e abraça algas e musgos, é amigo e parceiro inseparável do segredo das salamandras.
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Quando Nada Mais É Importante...

Quando nada mais é importante, e o amanhecer é apenas um esforço do tempo para se manter acordado, é a hora de dar adeus aos nossos corpos fatigados pela falta da chuva que umedece e refresca a alma dos nossos olhos. Quando nada mais é importante, e o sol parece nos olhar com cara de choro e rugas de ressentimento , é o momento de retirar vagarosamente a pele apodrecida que reveste os nossos desejos mais sórdidos, e remover a máscara que plantaram nas nossas faces, quando dormíamos e sonhávamos com um mundo menos fétido. As linhas que estão impressas nas nossas mãos são as marcas dos cemitérios que nos perseguiram na infância e fizeram dos nossos finais de tarde pequenas cerimônias fúnebres, impregnadas de depressões domingueiras e interioranas. Quando nada mais é importante, nem mesmo os poemas assassinados de Emily Dickinson, é hora de fechar delicadamente os nossos livros, enforcar urgentemente a elegância das nossas emoções, e contar estórias para todas as crianças mortas.

Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 15 de maio de 2009

MADRE JOSEFA CLARA

O Convento de Santa Clara do Desterro, fundado em 1677, localizado no bairro de Nazaré, em Salvador, é famoso por sua arquitetura, pelos doces preparados carinhosamente e comercializados na lojinha que funciona pertinho da capela, e pela beleza dos móveis de jacarandá dos séculos dezoito e dezenove, que estão espalhados enfeitando salões, saletas e cantinhos de orações. Segundo alguns historiadores e relatos anônimos, numa tarde chuvosa do ano 1753, a bela Josefa Clara, jovem de família tradicional da época e prometida a Jesus Cristo para todo o sempre, foi flagrada na capela-mor, quase despida, acariciando as partes íntimas do padre Inácio Moreira Franco, substituto do capelão que havia falecido fazia pouco tempo. O escândalo repercutiu na província e logo chegou aos ouvidos da corte, que proibiu, a partir daquela data, o trânsito de padres nos conventos e locais religiosos frequentados por moças que dedicariam suas vidas aos apelos do sagrado. Madre Josefa Clara, de sexualidade imoderada, acometida de profunda tristeza e dores fortes no peito, chorou por muitas noites insones à espera de notícias do amado, mas nunca recebeu sequer umas poucas linhas escritas. Sofrida, sem nenhuma esperança de rever o grande amor, a freira trancou-se no cláustro, rasgou o corpo com uma casca afiada de ostra e deixou-se sangrar... até que os anjos viessem ao seu encontro e cobrissem a sua boca com pétalas de rosas e perdão.
Gurgel de Oliveira