quinta-feira, 16 de julho de 2009

Dona Albertina e seu Antônio

Dona Albertina observa a capela todos os dias. Limpa com um pano seco as imagens dispostas no altar e retira os restos de velas que durante toda a semana iluminaram ansejos, olhos lacrimejantes e trouxeram esperanças de cura para dores incuráveis que atravessam as noites sertanejas, machucando e marcando com ferro e fogo corpos que ignoram o cansaço e o tempo. Seu Antônio, o beato vidente, defensor incansável dos mais humildes, ajudou na construção da capela e na lapidação das mentalidades mais progressistas , sempre pensando numa vida menos dura, sem os castigos que dilaceram destinos e mastigam futuros moldados pelo sol de todos os dias. A capela, sustentada pela fé que preenche o cotidiano abafado com nuvens e presságios, nada mais é que um sonho cultivado por dona Albertina e seu Antônio. O povoado, destruído e engolido pelo açude após uma guerra injusta, é apontado pelos meninos da rua quando perguntam o local exato do Vale da Morte, onde soldados e jagunços tiveram suas roupas e peles espetadas pelo couro da macambira. O restante da estória está nos livros de história e na memória de seu Antônio, que partiu para a terra prometida e levou dona Albertina como sua conselheira . Acho que não voltam nunca mais!
Gurgel de Oliveira

A foto que ilustra este texto é uma instalação do fotógrafo Claude Santose e  está exposta no Parque Nacional de Canudos. O meu muito obrigado.

Um comentário:

  1. O dom , não bastasse ser dom, tem a capacidade de se multiplicar. Adoro o que vc escreve.

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