sábado, 18 de fevereiro de 2012

FETICHE


O ano é mil oitocentos e oitenta e a cidade é Veneza. O Pallazo Ducale, mais conhecido como Palácio do Doge, está decorado com veludo e frutas. Fitas de cores estão presas ao teto. A orquestra se prepara para os primeiros acordes. O erudito invade os salões e os convidados começam a chegar. Nas carruagens, homens e mulheres escondem alegrias e dores nas máscaras de tecidos finos. Em meio às colunas góticas que cercam o salão, dois olhares se cruzam. Suas identidades não são reveladas. Sentimentos e conquistas são misturados ao ponche e mãos acariciam o perfume das peles. A mulher corre pelos corredores. As janelas revelam gondoleiros e canais de águas e cheiros. A música esquenta o ambiente de tâmaras e orgias. Frascos com aromas asiáticos são abertos. Gotas de sândalo escorrem pelos seios da diva. As velas estão pela metade e são feitas de sebo caprino. Os olhares se desejam e ninguém sabe quem é o outro. A madrugada grita pelo dia. As gôndolas balançam e maestros dançam. Rendas e máscaras dormem e o baile se cansa. É hora de revelar os rostos. A diva, de olhos que lembram as amêndoas, corre pela praça São Marcos e não se mostra ao mundo. E a festa se desfaz na cidade agarrada ao passado.
Gurgel de Oliveira

2 comentários:

  1. Querido , como sempre palavras recheadas de fantasia e beleza!!!!
    Lindo !!!!
    Lindete Souza

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  2. Gurgel, seus textos me lembram muito, em estrutura, os do grande Eduardo Galeano. São especiais, tenha certeza. Lindos!

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