sexta-feira, 31 de julho de 2009

O RETRATO DE BERENICE

Seu Martiniano observa a foto da filha Berenice todos os dias e limpa, cuidadosamente, o vidro que aprisiona o rosto da menina e serve de adorno à pequena sala da casinha onde mora, perto de uma cidade da qual o nome agora não importa. Berenice, carinhosamente chamada de SANTINHA por todos os moradores próximos e distantes, sempre foi saudada nas missas de domingo, quando a igrejinha improvisada se enchia de fiéis, católicos praticantes e beatas ortodoxas para ouvir as palavras sagradas do PADRE JOSÉ, chefe da paróquia e líder espiritual das crianças e velhinhos em estado terminal. Berenice sonhava, constantemente, com cavalos brancos alados e rosas vermelhas, e dizia ao pai que eram anjos fantasiados para uma festa no céu. Seu Martiniano ouvia com atenção e achava que a filha era esquisita e abençoada pelos santos que protegem as crianças durante o sono profundo de todas as noites. Hoje o sol de verão esquenta a casa e os sonhos de seu Martiniano de maneira diferente, talvez mais triste. É que os olhos de Berenice, presos ao seu rosto de menina morta e ao vidro translúcido que transforma o seu sorriso em choro, parecem preencher a sala da casinha pobre com as anotações borradas da memória do seu pai, que sente dores insuportáveis quando lembra da filha.
Gurgel de Oliveira

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