sexta-feira, 16 de outubro de 2009

EDIFÍCIO SANTA FÉ

Segredos impronunciáveis ainda estão escondidos nos corredores e apartamentos do edifício Santa Fé. O prédio tem frente para o mar e é todo revestido de pastilhas brancas e azuis, muito comuns na arquitetura de linhas retas produzida nos anos sessenta do século vinte. A morte misteriosa da jovem bailarina que sonhava ganhar o mundo com muito talento e sapatilhas é lembrada pelos moradores mais antigos e ignorada pelos inquilinos mais jovens, cheios de sonhos promissores e projetos que incluem parcerias sexuais e farras à beira mar. Dona Georgina tem o hábito de montar quebra-cabeças de cem peças. Os puzzles formam bichos, paisagens e cidades. É uma forma que ela encontrou de expandir o seu universo de dezesseis metros quadrados, enfeitado com bibelôs e os miados dos gatos sufocados e olhos quase sedosos. À noite, quando todos os pardos são felinos e o prédio se ilumina para acolher grandes amores ou pequenas desilusões, a música invade as escadas de incêndio e os elevadores de grades decoradas. Na opinião de dona Georgina, que terminou de montar mais um quebra-cabeças, é o fantasma da jovem bailarina assassinada, que tenta fazer na madrugada barulhenta o ensaio do seu próximo espetáculo, ao som inebriante dos que agonizam e tentam desfiar as cortinas que enrolam os encantos da morte.
GURGEL DE OLIVEIRA

Um comentário:

  1. Passei por aqui e já li todos os textos não lidos... Dão sempre "cliques" na cabeça... como o uísque no filme Gata em Teto de Zinco Quente... ou despertam da insconsciência coletiva, como o pescoço de uma galinha jorrando sangue, em Barravento, por exemplo. Parabéns, beijo grande...

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