terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Sobre Generosidade e Corpos Congelados

Da cadeira estrategicamente colocada no centro da sala, Maria Clara observa os móveis, objetos e papéis que estão dispostos em volta dos seus olhos. Sabe exatamente a data da chegada de cada quadro exposto nas paredes, e de quem ganhou as gravuras que enfeitam as colunas do corredor que serviu tantas vezes de pista de corrida, quando ela ainda brincava de ser criança. Maria Clara escreve cartas para os amigos pelas mãos de dona Guilhermina, uma vizinha de pele clara e feições absolutamente entristecidas, decorrência do choque que sofreu ao saber detalhes sobre o acidente do qual Maria Clara foi a única sobrevivente. Os donos da casa, pais da menina, não tiveram a mesma sorte e hoje passeiam sem rumo, do outro lado da vida, tentando observar e entender o que aconteceu. Dona Guilhermina conta estórias de esperança e superação à jovem enferma, diz que a vida é feita de surpresas e que nada é impossível. Maria Clara ouve tudo com muita atenção...seus olhos parecem crianças sufocadas tentando comer as próprias mãos. A vontade de sair pela casa, correndo, é tão forte que faz o sangue ferver e provocar sensações de movimento e liberdade. Mas tudo continua imóvel, até os pensamentos mais velozes não passam de agonias respirátórias. Uma vez por semana, nas sessões de exercícios físicos que fazem Maria Clara resgatar tremores e sentir o peso da alma, a casa se enche de luz. Os móveis e os objetos brilham e desenham lábios pelos corredores de colunas brancas, repletas de gravuras. Dona Guilhermina veste-se elegantemente e adentra pela sala trazendo rosas e votos de melhoras. Os vizinhos rezam e forram a beira do rio com barquinhos e bichinhos de papel.
GURGEL DE OLIVEIRA

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