sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Valéria Messalina e Patrícia Galvão: sexo e ideologia

Valéria está presa ao sarcófago por ordem do IMPERADOR. O homem nu segura um caduceu e conduz o cachorro de pelos brancos ao leito do rio. O SENADO discute o destino de ROMA e os caminhos pelos quais desfilam  REIS e escravas da Núbia . Patrícia Galvão levanta bandeiras e grita o feminismo na cidade de São Paulo. Valéria é amordaçada e espancada no castelo da devassidão e luxúria, e os seus peitos são servidos em bandejas forradas com sangue e restos de festa. Pagu escreve resenhas e defende o uso, o desuso e os abusos dos batons de cores vermelhas. Modernos e simpatizantes elegem o cubismo e Pablo Picasso como mais uma arma de guerra. Valéria é banhada com o leite das cabras, o esperma dos etíopes e é levada em liteiras para mais uma sessão de sexo e vinho. Patrícia Galvão é presa e torturada, acusada de práticas comunistas e traição ao ESTADO NOVO. Valéria é jogada aos leões nas arenas estimuladas por pão, circo, alabastro e poder. Patrícia é detida mais uma vez e pensa, seriamente, em fazer teatro e escrever jornais. Valéria Messalina pratica prazeres carnais e diz não estar satisfeita. Mulheres valentes em diferentes épocas e contextos. Quedas de IMPÉRIOS, mortes e ideologias massacradas pelos VARGAS. Desistir,  jamais! Era o lema. Valéria, segunda esposa de CLÁUDIO, foi comida por todo um IMPÉRIO e assassinada no auge do gozo. Patrícia, a nossa Pagu, partiu cancerosa nos braços de HERMES, o anjo mitológico das almas, levando no rosto batons, leitos de rios, cachorros e homens nus.
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Serial Killer

Um véu de neblina encobre as árvores do parque florestal. Stefhany receia ser a próxima vítima e busca refúgio nos lençóis que cheiram a gripe e fome. Retalhos de lembranças deslizam  pelas venezianas e adornam a lareira com pêssegos, tâmaras e poesia. E a sonolência da rua ecoa na fisionomia do busto assentado na praça. Mais crianças mortas amanhecem no parque...sem cabeças, braços e vísceras. Insetos lacrimejam e as folhas de tons amarelos rastejam no chão e colorem  o outono. O vestido de Stefhany é encontrado em vasos repletos de lírios d'água e recortes de fotografias. Existe uma mala com ossos colada  nas pálpebras do anjo ausente. E um grito de dor vasculha as estradas e fronteiras do além. Pedaços de gelo encobrem  o rosto da criança morta. E o parque florestal desaparece por entre nuvens e revoltas impunes.
Gurgel de Oliveira

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O olho, a alma, a pena e a palavra de Gurgel de Oliveira: escrita na telha de vidro

O que falta, hoje, nas experiências de escrita independente, sobra na prática de Gurgel de Oliveira: justeza entre crítica e poesia; subjetividades e lucidez, conhecimento e fantasia, olhar para fora e, inversamente, "de dentro ao mundo" - considerando a virtualidade do espaço e da ferramenta escolhida -, equilíbrio de informação e abalos ao que se verifica nas pontes bem fincadas do cotidiano. Dessa forma, os temas de seu blog (Arte, Histórias e Canções para Virgínia Wolf) vão encontrar os que acolhem a literatura, os da sala de cinema e os que desfilam na Bahia das centenárias putas; os que lêem notícias do mundo, os que digerem tudo e os que nada vêem em sua obliquidade de olhar. Gurgel é quase um nosso cronista - resguardando-se todos os aspectos da palavra e do gênero - que experimenta de forma livre a crônica, podendo-se ver ali ecos de Gregório de Mattos e de outros tão nossos vizinhos - como João Ubaldo - até o cronista de jornal, atento ao movimento do tempo e do espaço no qual se insere, vendo como notícia o mundo que corre veloz para além da tela. Há, junto ao cronista, um poeta, um ficcionista. Possuidor de agudeza no olhar e delicadeza da palavra, ou de ferina palavra e olhar delicado. É um blog vivo e vasto, com cuidados literários, rastros de boas referências, e liberdade fora dos moldes canônicos; alí, o exercício da palavra parece ser também da paixão. E isso faz, certamente, a experiência dessa escrita algo particular. Da palavra à imagem, das letras ao cinema, da vida à notícia...Não é um entre milhares de blogs. É o Blog de Gurgel. Assim de simples: blog com assinatura. E estilo.
Milena Britto - Professora do Instituto de Letras da Ufba.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O OLHAR DO OUTRO E O LODO DA CAVERNA

O olhar do outro nos desconcerta. Despe os nossos espíritos e corta a liberdade das almas que nos acolhem. Portas e janelas se abrem ao desconhecido e nos convidam para um passeio. O olhar do outro nos acompanha e confunde prezeres e desejos. Somos escravos dos nossos corpos? Fabricamos escorderijos para guardar os nossos medos? O olhar do outro tem um jeito perverso para o confronto. Somos castigados, amordaçados e acomodados na escuridão da caverna. As sombras das pessoas que fazem o mundo são refletidas nas paredes de pedra. A caverna é um mergulho na cegueira do inconsciente que nos protege do racional. Não somos sujeitos da razão! Fantasia é um consolo que buscamos para que possamos aguentar o corpo físico e vidas sem sentido. Desejamos mergulhos não tão profundos nos olhares dos outros. A calma dos museus e a ansiedade que imobiliza os seus acervos não nos incomodam. O olhar do outro fere a retina dos olhos do vento e canta baixinho para os filhos do tempo. Vamos tatuar um outro olhar sobre a pele que nos protege? Queremos escalar as cavernas quase sempre prisionais com água, lodo e estrume fossilizados. As várias faces da vida e da razão estão presas a passados e grutas. O olhar do outro é o nosso olhar refletido nos espelhos e na ignorância que embala o sono do mundo.
Gurgel de Oliveira