quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O MARTELO DO FEITIÇO

O poder do olhar. Mãos que manipulam corpos e estradas. Caminhos desenhados na sola dos pés. Senhoras que gritam aos quatro ventos e destroem a colheita. Em 1692 o medo se instalou em Salém. Uma menina dorme nos porões da loucura. Parceiras do demônio apontadas nas ruas.  Pensar não é permitido. Fogueiras são repensadas  e a fome é constante. Coisas e pessoas  morrem todos os dias e os animais desaparecem. As nuvens cobrem os vilarejos próximos. Carne e peixe não são  ingeridos. Rezar causa desconfiança. Os puritanos estão a postos. Escrever é evocar o inferno. Centenas de mulheres queimadas na praça. A noite apaga o rastro da besta. Como uma estória que não foi contada.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

EDMEA TETUA

As cinzas da soprano foram atiradas ao  mar, num ritual de canto e saudade. Acordes foram ouvidos nas ilhas próximas e o Céu foi forrado com nuvens  em sépia.  Chapéus  e muita renda compunham  o figurino dos convidados. Rosas foram  postas nas ondas.  O perfume da partida. Em silêncio, o navio retornou ao porto da cidade italiana onde a cantora viveu. Comovente! Músicas profanas encheram as ruas de imigrantes. Máscaras esconderam dores e fitas riscaram o espaço. Como um baile de pipas na Nicarágua. A calmaria chegou com a chuva. Os barcos se recolheram.   A noite seguiu o seu curso. Poemas são pedaços de vida que desafiam o tempo.
Gurgel de Oliveira

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O ANJO DO SONO JÁ PARTIU

É hora de tirar os sapatos do armário. O dia já raiou. Tem leite quente no fogão. Não lembre da noite passada. O recorte dos sonhos pode nos servir de roupas. Esqueça o que não foi dito. Cachoeiras descem pelas escadas e fazem pequenos rios no andar de baixo. Ainda é cedo para lembranças.  Ar puro e o aroma das flores são o meu beijo de bom dia. O saboneite é feito de cítricos. A cabana ficou no último susto noturno. A festa da luz começa agora. O galo cantou para  cutucar  o encanto. As ervas da horta devem ser retiradas. Os feitiços são possíveis e as estradas estão com fome. É o momento certo para acordar.
Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

REFLEXOS

Ausências  que habitam desertos. Lagartos deixam rastros na areia. Saudades  desenham mantos no rosto do dia  e correm espetando angústias por lugares não tão conhecidos do mundo. O ermo é o aconchego das mãos que tremem diante da caneta portadora da febre . Rasgar a folha não escrita é desistir do sofrimento da criação. A emoção se recolhe e permite que a razão se desfaça. As horas não ajudam. Não passam e se prendem a relógios... moradores das algibeiras que não acordam mais. Saber morrer é acomodar o corpo no aconchego da alma e esperar o sinal do anjo da memória O ermo acalanta  a carne. É o choro. Partir é limpar o rosto com pétalas de presenças  e recriar a palavra que não foi escrita.

Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MANUSCRITOS

Rompimento do silêncio. Manhãs de chuva que não voltam mais. Alfinetes presos na garganta e pregos entre as unhas. O desconforto não vem com a falta da luz. A penúmbra sufoca quartos e saletas sem cortinas. Não é hora para reflexão. O corpo se desfaz em dores e a alma é cortada em pedaços. O tempo não passa. A insônia reveste camas e travesseiros. Bem distante dalí, bizontes e javalís desbravam as savanas e a África chora. Continentes são levados pelas águas e verdades são coladas nos edifícios. A lama umedece a rua. Bares e boates brilham no rosto da noite. Poetas e bailarinas se perdem no discurso do porteiro e a ribalta se rende ao branco.
Gurgel de Oliveira

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

CONFISSÕES DE FELIPE

Quando eu era garoto, os sonhos não eram tão distantes e os dias pareciam mais longos. Esperávamos o anoitecer e nos recolhíamos mais cedo para que o ato de sonhar nos pegasse de surpresa. Rezávamos um Pai Nosso e nos cobríamos para que a escuridão nos vestisse de sono. Pássaros nunca vistos voavam bem próximos de nós. Minha mãe morria e o mundo acabava. A festa de aniversário era cancelada e o bolo sumia diante dos meus olhos. A escola não existia. A bola de muitas cores passeava pela casa. Elefantes e enfermeiras curavam dores e ferimentos. Rios e cachoeiras brotavam das paredes e os bichos da água se espalhavam pelo quarto. Era hora de acordar. Encarar a realidade e o café com pão e manteiga. Olhar em volta da casa e constatar que as árvores estavam no mesmo lugar. Passear pelo dia e torcer para que a noite e os cobertores viessem ao nosso encontro,  e  nos levassem outra vez ao desconhecido.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

VERSOS NO ESCURO

O musgo vai cobrir os nossos sonhos . Não teremos mais nomes e o passado será escrito nos muros. As nossas roupas, simples peças de varais. Lembranças   e fitas guardadas no armário. A cozinha vai parar. Carnes e verduras serão enviadas aos vizinhos. A ordem é para que portas e janelas permaneçam fechadas. Vasos e flores  derreteram  nos   esgotos . Corpos esculpidos e facas amoladas ao extremo. A lâmina corta o vento e divide o calor em partes iguais. Tem alguém respirando próximo aos potes de vinho. O atrevimento da ignorância tem o gosto de sangue expulso das veias . Não é justo  que retiremos  as unhas das crianças. Cartas com lacres  balançam nas correntes. Os escritores sentem saudades dos parágrafos. É hora de apagar as luzes. Tirem os olhos dos cabides e tentem observar  bem longe. Não é mais possível. As nossas retinas viraram adubo..

Foto de domínio público. 1900.

Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SILÊNCIO


Maria está sem palavras. A contrição é um caminho sem retorno. O espaço é restrito e não há portas nem janelas. Os barulhos externos são orações que se perdem em fragmentos. Cabelos estão presos às  caixas de madeira. O que tem dentro dos baldes desperta  os olhos e risca os  lábios com alfinetes. Não falar é preciso. Costurar as bocas é uma obrigação diária. Se é dia ou noite, não sabemos. Esgotos são santuários que remendam abandonos. Quantas dores sentem as malas que nunca vão ser abertas! Rezemos para que a nossa pele não fuja. O aquecimento que precisamos se foi com a última primavera. Só nos resta o silêncio. Pregos e agulhas se desprendem do teto. Maria não fala nada. Apenas observa.

Gurgel de Oliveira
Foto de domínio público. 1900.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

TORMENTA



O lugar impressiona pela simplicidade. A forma dos objetos é desconhecida. Molduras protegem rostos e olhos que vigiam malas e camas. A luz do Sol não entra nunca e a parede não tem pele. Bolos e doces jamais foram vistos . O sabor é ignorado e  a refeição está queimada. Parece que o mundo parou. O ato de respirar não é exercido e árvores são vistas pela janela. Lá fora faz frio. Barcos e jangadas se preparam para inundações. Os peixes sentem medo da força da água. O quarto está no limite. Berços e garrafas navegam pelos corredores. É hora de subir nos móveis e procurar os bilhetes que não foram escritos. A mulher grita da cozinha. O fogão já se foi com as talhas e os tapetes choram no banheiro. A destruição já era prevista. Corpos pedem socorro e roupas são atiradas ao vento. Tratem de procurar abrigo. A casa não existe mais. Façamos jardins nas mantas que ficaram. Ratos e mentes podem dormir com as flores.

Gurgel de Oliveira

terça-feira, 15 de outubro de 2013

UM LOBO OLHA DE LONGE



O que tem do outro lado da porta não é revelado. O corpo é revestido com manchas e o passado se renova em instantes. Um conto de assombração passeia pelos corredores. As arandelas indicam que é começo do século vinte. As crianças dormem no quarto ao lado. Brinquedos de madeira se espalham pelo  outros cômodos da casa e os jogos de montar foram esquartejados. Do outro lado da porta as respostas se questionam. Revelar o segredo é fazer  a brincadeira perder o rosto  e colocar espinhos na refeição da manhã. A fechadura não oferece pistas. A luz das velas está no final. As armas respiram  perigo. Uma canção de adeus escorre pelos lustres. O cristal se despede das sombras e o pomar amanhece na escuridão. A governanta preparou o café e enforcou o sorriso.

Gurgel de Oliveira

Foto de 1912. Domínio público.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

FERIDAS ABERTAS

Estórias terão que ser reescritas. Os livros não abrem mais as suas páginas e os escritores se foram. É tarde para arrependimentos. Quartos e bibliotecas viraram pó. As paredes não sonham mais. É triste o sabor da verdade. Arrumem as malas com cuidado. Os ônibus saem em instantes e não existem  retornos. Estradas também serão refeitas. Não chorem, por favor. O momento não é para lamentos. É hora de correr e buscar abraços. Contem estórias ao vento. Palavras não morrem. Flutuam para sempre sobre porões. Comecem a escrever. O momento é oportuno.

Gurgel de Oliveira

domingo, 13 de outubro de 2013

A TERRA DE SANTA CRUZ E OS DEMÔNIOS



Descoberta da América. Europa entre luzes e trevas. O rosto do renascimento se descortina. A retomada da economia em crescimento e o comércio transoceânico anunciam um futuro próspero. Inquisição, fogueiras e torturas são institucionalizadas. O Brasil, inferno e paraíso no olhar do velho mundo, era presenteado com metal, pedras rutilantes e os presumíveis inimigos de Deus e da crença católica, torturados e condenados pelo Santo Ofício. Nas terras da colônia, cânticos eram entoados para trazer ao mundo dos vivos espíritos indígenas que já haviam partido. Fogueiras eram acesas e forasteiros  empalados e grelhados. Ossos e ervas compunham o ritual dos canibais. O batuque ajudava no transe. Crianças rodopiavam próximas ao fogo e ao sagrado. Bebidas alucinógenas  preparadas e  o jantarservido. O progresso acenava de muito longe. O tempo comandava a  servidão e o  sofrimento. A chuva vinha com força.Ventos sopravam  com as garras do diabo. Do outro lado do mar, mulheres amarradas ao fogo em nome do criador.


Gurgel de Oliveira

sábado, 12 de outubro de 2013

PITONISAS E SIBILAS

Os povos romanos, gregos e etruscos tinham um hábito constante de ouvir profecias. Os sítios onde as práticas proféticas se pronunciavam eram muitos. O mais procurado era o de Delfos, dedicado a Apolo e situado no sopé do monte Parnaso, em um cenário natural que encantava a todos. A Grécia era vista de cima e a emoção, sem limites. Citações a respeito do templo de Delfos são muitas nos textos de Homero. As Pitonisas, profetisas que revelavam o mundo invisível aos mortais são lembradas e evocadas até hoje. A serpente Pytton observa tudo, de algum lugar nas profundezas da Terra.

Gurgel de Oliveira

O MUNDO DOS BRINQUEDOS

Hoje é sábado. As reverências vão para as águas e suas deusas, para Aparecida, Nossa Senhora, e para as crianças de todas as horas, parques e   sorrisos. A alegria está solta nas ruas e os sonhos passeiam de carroça. Estrelas flutuam nos olhares que se perdem nas vitrines. Doces e confeitos serão feitos pelas fadas. O dia será mais longo e tristeza somente nos romances. À tarde, quando o olhar  do Sol estiver mais presente, os mágos vão bordar as ruas com circos e corpos elásticos da Mongólia, até que o tempo se desfaça em cansaço e o sono seja a melhor surpresa.

Gurgel de Oliveira

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

BORDAR O CORPO E DESNUDAR A ALMA

O culto ao insólito torna o dia desigual. Suportar a rotina desgasta a pele da alma e sufoca o corpo. Façamos coisas não planejadas para tirar os pássaros do marasmo. Escrever no asfalto pode ser uma solução. Esculpir o destino nas pedras também é uma  uma fonte de prazer. Procuremos poetas nos mercados habitados por ratos e salamandras e deixemos que a tarde nos envie uma mensagem. A paciência é inimiga do tempo. Navios passeiam em mares não imaginados e o rosto do porto se deforma. Existem lápides no lado esquerdo do peito e grandes animais nas avenidas. Chegou a hora de apagar a luz do dia para que a noite se vista de princesa. Palácios dançam na pracinha e encantam estátuas em movimento. Não é oportuno comer mesas e cadeiras. O jantar está servido e violinos estão no cardápio. Os moribundos que insistem em não morrer serão convidados à mesa.
Gurgel de Oliveira


Foto de domínio público. 1900.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A GUERRA ENCANTADA

Os livros que não foram lidos sumiram no meio dos destroços. Todos correram quando ouviram o barulho. A rua está deserta e tem marcas de choro nas paredes. Os que estavam dormindo não conseguiram sair do sonho e viraram sombras em caixas de vidro. As casas sentem a falta do piano. O maestro perdeu a batuta e anjos estão sem as penas das costas. Um pedaço de pão é encontrado vivo na calçada. Brincadeiras de roda são sopradas pelo vento. Não se pode olhar as horas e os relógios congelaram nos pulsos. Pensar é morder a realidade e espantar o bruxismo. As camas não foram arrumadas . Bonecas  feitas de lenços serão pescadas no riacho. A água dói no corpo e sal é jogado nos olhos. Sobreviver é pecado. Não tentem nascer outra vez. Fugir do medo é a única saída.

Foto de 1902. Domínio público.

Gurgel de Oliveira

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A CHEGADA DA LIBÉLULA

Faces sem nome se misturam aos porcos. Pérolas e pescoços perdem o brilho na multidão. Moedas e fotos da América passam pelas mãos do soldado pretoriano e Roma é redesenhada nos papéis que sustentam o tablado. Corpos sem órgãos resguardam hospitais. Estórias de confrontos chegam aos ouvidos e decoram o altar para a Missa do  Santíssimo. E a procissão carrega nas costas o silêncio engasgado  pelas beatas que agora são riscadas  no concreto. Em quais estradas estão enterrados os olhos da estátua que veio das montanhas? O rio não está  preparado para barcos que não se sustentam. Os prédios ao redor do porto se escondem na penumbra e vomitam móveis feitos de árvores e adagas. São sonhos do Oriente que brotam das portas em Budapeste. A Hungria está presa na garganta de Praga. Tem gárgulas em todas as fachadas nos olhando com sede e vontade de nos fazer voar. O canto da liberdade não é doce de criança. Palmas para o sanfoneiro que embala cegos e aprendizes de águias. Ser livre  é somente um rosto com a expressão da pedra que dança e balança  a água.

Foto de 1900. Domínio público.

Gurgel de Oliveira


PASSAGEM PARA O FIM

Cento e cinquenta mil soldados desembarcam em Caen, Norte francês. A invasão da Normandia foi a mais ousada operação aeronaval da história militar. Alemães são cercados por tropas soviéticas e a capital da germânica  foi tomada pelos russos. Japão e Estados Unidos, no Pacifico, provocam centenas de mortes. Hiroshima e Nagasaki são engolidas por um cogumelo. O samurai  adormece. O ano é 1945. Em Paris, próximo ao subúrbio, natália caminha  pelas ruas procurando coisas e famílias. Na Polônia, uma casa chora e pessoas correm em direção ao vazio.

Gurgel de Oliveira

Foto Internet, sem indicação do autor.

SÓROR MARIANA DO ALCOFORADO - 1640-1723.

Mais cartas estão sobre a mesa do claustro. Sóror Mariana teceu as linhas da noite escrevendo ao amado. O Convenro Nossa Senhora da Conceição, em Beja, Portugal, abrigava jovens nem sempre com vocação para o sagrado. Encerrada nos muros cristãos  por mera decisão paterna, a ousadia e o sofrimento da freira e suas cartas incomodaram França e Portugal, numa época em que o conservadorismo ditava regras e aprisionava amores nas igrejas que apontavam para o Céu. O Marquês Noel de Chamilly, combatente na Guerra  da Restauração e destinatário do sentimento que dizem ter levado a Abadessa ao descanso final, nunca enviou respostas  e sumiu para sempre, por entre ruelas das cidades francesas. Em 1812, documentos encontrados por estudiosos que buscam rastros da  vida de Mariana, afirmam que até Jean-Jacques Rousseau, filósófo do iluminismo e  pioneiro  do romantismo,  foi tocado pelos manuscritos da religiosa.
Gurgel de Oliveira

sábado, 5 de outubro de 2013

A FOTO E A NEBLINA

Tarde de inverno.  Avenida Montparnasse, 1920. O poeta da imagem, Man Ray, fotografa um amante do Simbolismo. T.S.Eliot caminha como um monge. O sobretudo não o protege da nuvem de gelo que cai sobre as ruas.  Café e charutos são servidos no café da esquina. Um homem olha de longe e corre para um abrigo. Mulheres passam  em sentido contrário. Gotas brancas caem das núvens e cobrem as calçadas. A cidade se agita e os lampiões despertam. Mais um texto é escrito e riscado no tempo. A música marca o momento da dança. Crianças dormem nas margens da loucura. Um livro de Baudelaire é  aberto no balcão. Canetas deslizam e rascunham cenas cubistas. París abre os olhos para a festa. E o rio observa de longe os bocejos da madrugada.
Gurgel de Oliveira

Foto Internet. Não há referencias sobre o autor.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ANNE SEXTON

O almoço está servido. A poeta desfia palavras  enquanto come legumes e caça. O inverno chegou com o rigor dos ursos e o olhar de Anne mergulha no vazio. As mãos não param e versos são escritos na toalha. Mesas e confessionários se confundem. A elegância tem um preço e cigarros são queimados. O véu da tragédia está presente e  o carro  dorme na garagem. Doces são servidos com café, creme e licor. As duas amigas se despedem. A casa está cheia e estrofes são lidas no final da tarde. Lenços são jogados no pasto e nomes riscados no mármore. Alguém canta baixinho e tulipas enfeitam cristais. É a hora do silêncio. A estrela apagou.
Gurgel de Oliveira

PARA NÃO ENTRISTECER ALGUÈM

Partir e desbravar as pontes fazem  parte do plano. Logo que o Sol se esconda pegaremos o mapa que vai nos auxiliar na fuga. Dizem que as estradas oferecem perigos e não podemos dormir. Bichos não conhecidos dos biólogos guardam cercas e portões. O medo não faz parte da bagagem. Pouca roupa e pedaços de pão vão ser os nossos companheiros. Serão  dez noites de caminhada. As bolhas dos pés terão que ser furadas e a febre é inevitável. . O poeta não vai. Escritos não serão nossos parceiros. O frio e a chuva trarão a poesia que precisamos. Levaremos estradas nos bolsos e trilhas amarradas à cintura. Já está quase na hora. Bebam água para umedecer o corpo e molhar o espírito ressecado pelo verão que não acaba. E as flores, alguém já pegou? Lápides  enfeitadas com pipas  trarão vida aos nossos olhos. Sinais  vão ser marcados  na areia e dirão ao mundo que passamos por ali. É hora da despedida. Coloquem os corações no vento. Emoções só atrapalham. Estão prontos? Desenhem  as estradas nas mãos  e comecem a andar. É a cerimônia do adeus.
Gurgel de Oliveira

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

WILD NIGHTS - EMILY DICKINSON

O que dizem as cartas que movimentam as mãos e dedos do olhador? O mundo vai acabar?  O limite entre vida e morte é uma criança com asas e espada? As linhas das mãos também falam do dia seguinte. Do que não conhecemos. A dor do outro está escrita na terra. Olhar com atenção é descobrir segredos. O inviolável desliza na pele do rosto e desfigura os lábios. A carta do louco é a esperteza do jogo. A Lua significa magia e mundos acobertados pelo espírito da mandingueira. Hoje é quarta-feira. Olhemos para o fogo como destruição e renascimento. Os ossos estão guardados em um saco de alinhagem. O buraco feito na terra não aceitou o alimento. Queria carne e cartilagem. É possível riscar cemitérios no diagrama? A resposta está na sola do pé. Junto ao chão de argamassa e cheiro de fome. A toalha da mesa não pode ter estampas. O tarô não fala próximo das rosas. Jardins e vasos não são bem vindos. O eremita indica os caminhos e as armadilhas tatuadas na virilha. Não tenha medo da mandala. O saco de ossos se despede e tenta descansar. Sonhar para sempre é guardar os olhos na água. A palma da mão não revela mais nada. Poemas de Emily Dickinson forram o leito de morte. A poeta suspira e morde a carta da torre. O desejo de não viver é revestido com mortalhas. A América não chora. Um gosto de carne queimada encapa livros e cadernos. A cremação é imediata.

Gurgel de Oliveira

Foto coleção Museu Emily Dickinson.